Segurança em ancoragens: a tempestade em Formentera
Circularam em grupos na internet imagens e vídeos de veleiros encalhados nas praias de Formentera, nas ilhas Baleares (Espanha), depois de uma tempestade muito forte. Veleiros de 35 metros de comprimento lançados contra as rochas, barcos lutando contra as ondas para encontrar abrigo,e, é claro, todos os tipos de comentários, desde mudanças climáticas até críticas às práticas de ancoragem dos proprietários. Mas, afinal, o que aconteceu, e como os incidentes poderiam ser evitados?
A tempestade na ilha espanhola foi repentina, e muito forte, mais do que o normal. Ventos de mais de 100km/h e um volume de chuvas incomum despencaram sobre o litoral. O arquipélago fica a mais de 100km do litoral da Espanha, e totalmente exposto aos ventos. Em situações como esta, como é possível evitar a perda de uma embarcação, e principalmente, o risco à tripulação?
Quando construímos o GP 28, pesquisamos como eram os equipamentos dos barcos a motor fabricados no Brasil, para ter uma idéia do “estado da arte”. O fato é que a maioria das lanchas sai de fábrica com âncoras subdimensionadas e pouca amarra. Lanchas de 32 pés, 4 toneladas ou mais, com âncoras de menos de 15kg e 15 metros de corrente de 6mm eram comuns. Isto é suficiente para ancorar perto da praia ocasionalmente, com tempo bom. Com 15 metros de amarra, você pode ancorar no máximo em profundidades de 5 metros, e esta ancoragem não oferece segurança em mau tempo.
Quem fez a prova de Arrais Amador se lembra da regra: comprimento de amarra deve ser 3 vezes a profundidade do local para curta permanência no local (amarra de corrente). Se o objetivo é ficar mais tempo, ou a amarra for mista (corrente e cabo). deve se usar 5 vezes a profundidade. Para mau tempo, deve-se aumentar até 8 vezes.
Porém, quando vem tempestade forte, o arrasto aerodinâmico é muito elevado, e pode fazer a corrente “garrar” (correr no fundo). Em situações onde existe previsão de mau tempo, deve se lançar 2 âncoras, com amarras saindo em “V” na proa, na direção do vento. É bom levar, como âncora de reserva, uma de um tipo diferente da âncora de serviço, para ter uma opção em fundos diferentes. Além das duas âncoras, é fortemente recomendado, em especial em barcos de cruzeiro, ter uma âncora do tipo almirantado desmontada no porão, para casos de extremo mau tempo. Esta âncora é, em geral, bem mais pesada do que uma Bruce ou Danforth.
No GP 28 não seguimos a recomendação de âncora fornecida em tabelas de fabricantes (10kg com corrente de 6mm). Usamos 50 metros de corrente de 8mm, e uma Bruce de 15kg. O GP 28 foi projetado para navegação em mar aberto, e fez várias viagens para o arquipélago de Alcatrazes, a 40km do litoral de São Paulo, então ele precisava de uma amarra capaz de garantir sua segurança. Usamos corrente apenas, não somente por que permitia usar um guincho elétrico mais simples de instalar, como também porque o peso da corrente força a amarra a fazer uma curva (curva catenária) que mantém a haste da âncora quase na horizontal, e a unha cravada no fundo em um ângulo mais eficiente. A curva catenária também ajuda a amortecer o impacto da tração da corrente.
Atitudes marinheiras, como diz John Vigor em sua teoria da “caixa preta”, adicionam créditos que o mar cobra quando acontece um “perrengue”. Na primeira vez em que fizemos uma perna mais longa com o GP 28, subindo de Florianópolis para São Paulo, tivemos um problema na rabeta no meio da baía norte de Florianópolis, a 15 metros de profundidade. Vento nordeste forte e muitas ondas faziam o barco balançar muito, mas a amarra manteve o barco cravado no mesmo lugar (confirmado no GPS) por 3 horas, antes de chegar o socorro. O rádio VHF foi fundamental para pedir ajuda a uma marina próxima.
Em casos extremos, de furacão ou tempestades muito fortes, o ideal é estar em terra, e aí não há muito o que fazer. Tentar subir à bordo em mau tempo é arriscado. Se seu barco não foi bem fundeado, só resta rezar e torcer. Barcos grandes sofrem muito mais, pois tem muito mais área exposta ao vento, mastros mais altos, e muita flutuação. Se a maré sobe muito, a profundidade aumenta, e a proporção amarra/profundidade diminui. Isto deve ser levado em conta também.
No caso da tripulação estar à bordo, é fundamental manter a calma e, se a decisão for de suspender a âncora, que se tenha certeza de que há condições seguras para a navegação. Toda a tripulação deve estar com seus coletes, e você deve informar alguém em terra de seu curso, porto de destino e hora estimada de chegada. Nem todo barco foi projetado para enfrentar o mau tempo com segurança, mesmo os classificados para navegação em mar aberto. E, mais importante, nem toda tripulação está capacitada para isto. O princípio da precaução deve ser seguido sempre.
Conhecer seus limites e os de sua embarcação é o mais importante. Com relação à embarcação, estão na vantagem aqueles que construíram seus barcos, pois sabem o que o barco aguenta, e sabem como consertar. Com relação à tripulação, experiência, preparação e conhecimento teórico e prático são fundamentais. E lembrem-se: segurança sempre. Um barco pode ser feito de novo. Pessoas, não.