As velas do Liberdade

As velas do Liberdade

Joshua Slocum foi o primeiro navegador a realizar a circumnavegação do globo em solitário, entre 1895 e 1898. Entretanto, foi em 1887, após naufragar o cargueiro Aquidneck na baía de Paranaguá, que nasceu um barco chamado Liberdade, cuja história merece ser contada.

A história de Joshua Slocum pode ser encontrada em muitos artigos na web, e seus livros podem ser lidos online. Mas uma história em especial merece ser contada, a do veleiro Liberdade, que ele projetou e construiu em Guaraqueçaba, na baía de Paranaguá, após o naufrágio do navio cargueiro Aquidneck, do qual era mestre e proprietário. O dinheiro que tinha foi suficiente para pagar os marinheiros e os repatriar. Slocum ficou na região com a esposa e dois filhos, sem recursos para voltar aos EUA. Então, com material que tinha à mão, ferramentas, e o que conseguiu salvar do naufrágio, construiu um barco, com desenho único, combinando a forma das canoas baleeiras do sul do Brasil, de origem açoriana, e botes norte-americanos. O casco tinha pouco mais de 10,5 metros de comprimento, e 2m de boca. Foi construído em 6 meses, e lançado ao mar no dia 13 de maio de 1888, data da promulgação da lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil. Por isso o nome do barco, Liberdade.

A viagem do Liberdade, descrita em detalhes no livro homônimo de Slocum, é não apenas um lindo relato de um viajante, mas também um retrato da costa brasileira no século XIX, que percorreu muitas vezes como marinheiro mercante. Mas este artigo trata de outro assunto, que merece uma atenção especial. trata-se de uma escolha de projeto que Slocum fez, para a armação do Liberdade. Slocum era um velejador muito experiente, que já havia navegado ao redor do continente americano, e também costumava ir ao oriente, à China, Índia e Austrália. Com certeza teve a oportunidade de ver navegando os barcos chineses com suas velas peculiares.

O Liberdade foi fabricado com os restos do Aquidneck, com ajuda dos moradores locais. Ele precisava de uma armação fácil de fabricar, fácil de manejar, com baixo centro de esforço lateral, pois seu barco tinha pouca estabilidade inicial, mas deveria ser capaz de levar a embarcação por 5 mil milhas até os Estados Unidos. Por que escolheu a armação tipo “junco chinês”, com sua infinidade de peças, cabos, talas? Por que não usar uma carangueja, vela já conhecida na prática por ele em tantas navegações feitas com sucesso? A razão é fácil de entender, quando se conhece mais sobre as características incríveis da vela chinesa. Esta vela tem uma eficiência muito grande devido ao seu desenho e forma com que é armada, com talas integrais e escotas fixas em cada tala, de forma que é possível controlar a torção da vela, aumentando sue aficiência próxima ao tope do mastro, onde a velocidade do vento é maior. Além disso, é possível rizar a vela com o barco em curso e velas caçadas, sem necessidade de aproar ou retirar a pressão das velas. Veja no vídeo abaixo um pequeno veleiro rizando a vela, em segundos, sem que o skipper precise sair do cockpit.

Joshua Slocum fez uma escolha sábia ao armar seu Liberdade com 3 pequenos mastros e 3 velas junco de dimensões reduzidas. Um plano vélico com boa área vélica, baixo centro de esforço, possibilidade de rizar as velas até a última tala, sem esforço ou risco. Ideal para uma travessia longa em um barco de capacidade oceânica limitada, e tripulação reduzida.

Com exemplos tão marcantes da eficiência da vela “junco”, é surpreendente que este tipo de armação, no ocidente, esteja restrito aos entusiastas, que fazem seus mastros e velas por conta própria, pois não há velas, mastros, retrancas, talas e demais ferragens prontas para quem quiser montar uma armação deste tipo para seu veleiro. Mas por outro lado, construtores artesanais devem olhar com mais atenção esta vela e suas qualidades. Uma vela que tem características que agradam aos iniciantes, como a facilidade de controlar e rizar, e também aos velejadores experientes.

É por este motivo que a vela chinesa foi escolhida para nosso primeiro projeto de veleiro Oceânico, o Jubarte 34, e também para um novo projeto, um veleiro oceânico compacto e acessível, que será apresentado pela primeira vez no Podcast em nosso canal do Youtube dia 23 de fevereiro. E se você quer aprender mais a fundo como funciona um veleiro, e como yacht designers projetam seus barcos, inscreva-se em nosso Curso Presencial de Projetos de Barcos dias 4 e 5 de março, em São José (grande Florianópolis,, SC).

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2 comentários

  1. Fabrício do Nascimento disse:

    Na verdade o Liberdade foi construído em Guaraqueçaba.

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